Para melhor expressar-se, o amor
irrompe de formas diferentes, convidando à reflexão em torno dos valores
existenciais. Muito do significado que se caracteriza pelo poder –
mecanismo dominante da realização do ego – desaparece, quando o amor não
está presente, preenchendo o vazio existencial. Essa ânsia de acumular,
de dominar, que atormenta enquanto compraz, torna-se uma projeção da
insegurança íntima do ser que se mascara de força, escondendo a
fragilidade pessoal, em mecanismos escapistas injustificáveis que mais
postergam e dificultam a auto-realização.
A perda da tradição é como um puxar do tapete no qual se apoiam os pés de barro do indivíduo que se acreditava como o rei da criação e, subitamente se encontra destituído da força de dominação, ante o desaparecimento de alguns instintos básicos,
que vêm sendo substituídos pela razão. O discernimento que conquista é
portador de mais vigor do que a brutalidade dos automatismos
instintivos, mas somente, a pouco e pouco, é que o inconsciente
assimilará essa realidade, que partirá da consciência para os mais
recônditos refolhos da psique.
Nesta transformação – a metamorfose
que se opera do rastejar no primarismo para a ascese do raciocínio – o
sofrimento se manifesta, oferecendo um novo tipo de significado e de
propósito para a vida.
Impossível de ser evitado, torna-se
imperioso ser compreendido e aceito, porquanto o seu aguilhão produz
efeitos correspondentes à forma porque se deva aceitá-lo.
Quando explode, a rebeldia torna-se
uma sensação asselvajada, dilaceradora, que mortifica sem submeter até o
momento em que, racionalmente aceito, faz-se instrumento de
purificação, estímulo para o progresso, recurso de transformação
interior.
O desabrochar da flor, rompendo o claustro onde se ocultam o perfume, o pólen, a vida, é uma forma de despedaçamento, que ocorre, no entanto, no momento próprio para a harmonia, preservando a estrutura e o conteúdo, a fim de repetir a espécie.
O parto que propicia vida é também doloroso processo que faculta dilaceração.
O sofrimento, portanto, seja ele qual
for, demonstra a transitoriedade de tudo e a respectiva fragilidade de
todos os seres e de todas as coisas que os cercam, alterando as
expressões existenciais, aprimorando-as e ampliando-lhes as
resistências, os valores que se consolidam. Na sua primeira faceta
demonstra que tudo passa, inclusive, a sua presença dominante, que cede
lugar a outras expressões emocionais, nada perdurando indefinidamente.
Na outra vertente, a aquisição da resistência somente é possível
mediante o choque, a experiência pela ação.
O ser psicológico sabe dessa realidade. O Self identifica-a, porém o ego a escamoteia, fiel ao atavismo ancestral dos seus instintos básicos.
O sofrimento constitui, desse modo,
desafio evolutivo que faz parte da vida, assim como a anomalia da ostra
produzindo a pérola. Aceitá-lo com resignação dinâmica, através de
análise lúcida, e bem direcioná-lo é proporcionar-se um sentido
existencial estimulante, responsável por mais crescimento interior e
maior valorização lógica de si mesmo, sem narcisismo nem utopias.
Todos os indivíduos, uma ou mais
vezes, são convidados ao enfrentamento, sem enfermidades graves ou
irreversíveis, com dramas familiares inabordáveis, com situações
pessoais quase insuportáveis, defrontando o sofrimento.
A reação irracional contra a
ocorrência piora-a, alucina ou entorpece os centros da razão, enquanto
que a compreensão natural, a aceitação tranqüila, propiciam a
oportunidade de conseguir o valor supremo de oferecer-se para a conquista do sentimento mais profundo da existência.
A morte, a enfermidade, os desastres
econômicos, os dramas morais, os insucessos afetuosos, a solidão e
tantas outras ocorrências perturbadoras, porque inevitáveis, produzindo
sofrimento, devem ser recebidas com disposição ativa de experienciá-las.
Para alguns desses acontecimentos palavra alguma pode diluir-lhe os
efeitos. Somente a interação moral, a confiança em Deus e em si mesmo
para a convivência feliz com os seus resultados.
Esta disposição nasce da maturidade
psicológica, do equilíbrio entre compreender, aceitar e vivenciar.
Aqueles que não os suportam, entregando-se a lamentações e silícios
íntimos, permanecem em estado de infância psicológica, sentindo a falta
da mãe superprotetora que os aliviava de tudo, que tudo suportava em vãs
tentativas de impedir-lhes a experiência de desenvolvimento evolutivo.
A aceitação, porém, do sofrimento como
significado existencial e propósito de vida, não se torna uma cruz
masoquista, mas se transforma em asas de libertação do cárcere material
para a conquista da plenitude do ser.
Joanna de Ângelis
Livro: Amor, Imbatível Amor.Médium: Divaldo P. Franco
Nenhum comentário:
Postar um comentário