Ainda segundo o budismo, as origens do sofrimento
se apresentam através de condições internas e externas, resultando daí
outras duas ordens: as cármicas e as emoções perturbadoras.
Indubitavelmente, conforme acentua a
doutrina espírita, o homem é a síntese das suas próprias experiências,
autor do seu destino, que ele elabora mediante os impositivos do
determinismo e do livre-arbítrio.
Esse determinismo - inevitável apenas em alguns aspectos:
Nascimento, morte, reencarnação -
estabelece as linhas matrizes da existência corporal, propelindo o ser
na direção da sua fatalidade última: a perfeição relativa. Os fatores
que programam as condições do renascimento no corpo físico são o
resultado dos atos e pensamentos das existências anteriores. Ser feliz
quanto antes ou desventurado por largo tempo depende do livre-arbítrio
pessoal. A opção por como e quando agir libera o espírito do sofrimento ou agrilhoa-o nas suas tenazes.
A vida são os acontecimentos de cada
instante a se encadearem incessantemente. Uma ação provoca uma
correspondente reação, geradora de novas ações, e assim sucessivamente.
Desse modo, o indivíduo é o resultado
das suas atividades anteriores. Nem sempre, porem, se lhe apresentam
esses efeitos imediatamente, embora isso não o libere dos atos
praticados.
É possível que uma experiência
fracassada ou danosa, funesta ou prejudicial se manifeste a outras
pessoas como ao seu autor através dos resultados, após a próxima ou
passadas algumas reencarnações. Esses resultados, no entanto, chegarão
de imediato ou em mais tardio tempo. O certo é que virão em busca da
reparação indispensável.
Da mesma forma, as construções do bem
se refletirão no comportamento posterior do indivíduo, sem que,
necessariamente, tenham caráter instantâneo. O fator tempo, na sua
relatividade, é de somenos importância.
Portanto, os sofrimentos humanos de
natureza cármica podem apresentar-se sob dois aspectos que se
complementam: provação e expiação. Ambos objetivam educar ou reeducar,
predispondo as criaturas ao inevitável crescimento íntimo, na busca da
plenitude que as aguarda.
Aprovação é a experiência requerida ou
proposta pelos guias espirituais antes do renascimento corporal do
candidato, examinadas as suas fichas de evolução, avaliadas as suas
probabilidades de vitória e os recursos ao seu alcance para o
cometimento. Apresenta-se como tendências, aptidões, limites e
possibilidades sob controle, dores suportáveis e alegrias sem exagero,
que facultem a mais ampla colheita de resultados educativos. Nada é
imposto, podendo ser alterado o calendário das ocorrências, sem qualquer
prejuízo' para a programação iluminativa do aprendiz.
No mapa dos compromissos, não figuram as injunções mais aflitivas nem as conjunturas traumatizantes irreversíveis.
As opções de como agir multiplicam-se
favoravelmente, de forma que, havendo arestas a aplainar, esse trabalho
não impõe uma ação imediata pelo sofrimento.
A ação do amor brinda o ser com
excelentes ensanchas de alterar para melhor o seu desempenho e as suas
atividades, constituindo-lhe suportáveis provas o malogro de alguma
aspiração, o desafio ante algumas metas que lhe parecem inalcançáveis,
as dores dos processos de desgaste orgânico e mental, sem as quedas
profundas nos calabouços das paralisias, das alienações, das doenças
irrecuperáveis...
Se tal suceder, ainda poderemos
catalogar como escolha pessoal, por acreditar o candidato ser esse o
meio mais eficaz para a sua felicidade próxima, liberando-se da canga
rude da inferioridade moral.
Poder-se-á identificar essa
providencial escolha, na resignação e coragem demonstradas pelo educando
e até mesmo na sua alegria diante das ocorrências dolorosas.
As provações se manifestam, dessa
forma, de maneira suave, lenificadora no seu conteúdo e abençoada nas
suas finalidades. Sem o caráter punitivo, educam de forma consciente,
incitando ao aproveitamento da ocasião em forma eficiente e mais
lucrativa, com o que equipam aqueles que as experimentam, para que se
convertam em exemplos, apóstolos do amor, do sofrimento, missionários do
bem, mártires dos ideais que esposam, mesmo que no anonimato dos
testemunhos, sempre se tornando modelos dignos de serem imitados por
outras pessoas.
As provações mudam de curso, suavizando-se ou agravando-se conforme o desempenho do espírito.
A eleição de certas injunções mais
difíceis no processo evolutivo representa um ato de sabedoria, tendo-se
em vista a rapidez da existência corporal e os benefícios auferidos que
são de duração ilimitada.
Considerando-se a vida sob o ponto de
vista causal, das suas origens eternas, as ocorrências na esfera física
são de breve duração, não se alongando mais do que um curto período que,
ultrapassado, deixa as marcas demoradas de como foram vivenciadas.
Valem, portanto, quaisquer empenhos, os sacrifícios, as provas e testes
que recompõem os tecidos dilacerados da alma, advindos das anteriores
atitudes insensatas.
Toda aprendizagem propõe esforço para
ser assimilada e toda ascensão exige o contributo da persistência, da
força e do valor moral.
Os compromissos negativos, pois, ressurgem no esquema da reencarnação como provações lenificadoras que o
amor suaviza e o trabalho edificante consola.
As expiações, todavia, são impostas,
irrecusáveis, por constituírem a medicação eficaz, a cirurgia corretiva
para o mal que se agravou.
Semelhante ao que sucede na área
civil, o delinqüente primário tem crédito que lhe suaviza a pena e,
mesmo ante os gravames pesados, logra certa liberdade de movimento sem
ter a liberdade totalmente cerceada. O reincidente é convidado à multa e
prisão domiciliar, conforme o caso, no entanto, aquele que não se
corrige é conduzido ao regime carcerário e, diante de leis mais
bárbaras, à morte infamante.
Guardadas as proporções, nos primeiros
casos, o infrator espiritual é conduzido a provações, enquanto que, na
ultima hipótese, à expiação rigorosa. Porque o amor de Deus vige em
todas as suas leis, mais justas do que as dos homens, seja qual for o
crime, elas objetivam reeducar e conquistar o revel, não o matando, isto é , não o extinguindo. Jamais intentam vingar-se do alucinado, antes
buscam recuperá-lo, porque todos são passíveis de reabilitação.
O encarceramento nas paresias,
limitações orgânicas e mentais, as paralisias, as patologias congênitas
sem possibilidade de reequilíbrio, certos tipos de loucura, de cânceres,
de enfermidades degenerativas se transformam em recurso expiatório para
o infrator reincidente que, no educandário das provações, mais agravou a
própria situação, derrapando para os abismos da rebeldia e da
alucinação propositais. Entre esses, suicidas premeditados, homicidas
frios, adúlteros contumazes, exploradores de vidas, vendedores de
prazeres viciosos, tais como as drogas alucinógenas, o sexo, o álcool,
os jogos do azar, a chantagem e muitos artigos da crueldade humana
catalogados nos estatutos divinos.
Cada ser vive com a consciência que estrutura.
De acordo com os seus códigos,
impressos em profundidade na consciência, recolhe as ressonâncias como
experiências reparadoras ou propiciatórias de libertação.
Ha, em nome do amor, casos do
aparentes expiações - seres mutilados, surdos-mudos, cegos e
paralisados, hansenianos e aidéticos, entre outros, que escolheram essas
situações para lecionarem coragem e conforto moral aos enfraquecidos na
luta e desolados na redenção.
Jesus, que nunca agiu incorretamente, é o exemplo máximo.
Logo após, Francisco de Assis, que
elegeu a pobreza e a dor para ascender mais, não expurgava débitos,
antes demonstrava-lhes a grandiosidade dos benefícios.
Helen Keller, Steinmetz e muitos
outros heróis de ontem como de hoje são lições vivas do amor em forma de
abnegação, convidando à felicidade e ao bem.
As expiações podem ser atenuadas, não, porém, sanadas.
Enquanto as provações constituem forma
de sofrimento reparador que promove, as expiações apenas restauram o
equilíbrio perdido, reconduzindo o delituoso à situação em que se
encontrava antes da queda brutal.
Transitam, ainda, na Terra, portadores
de expiações que não trazem aparência exterior. São os seres que
estertoram em conflitos cruéis, instáveis e insatisfeitos, infelizes e
arredios, carregando dramas íntimos que os estiolam, afligindo-os sem
cessar. Podem apresentar aparência agradável e conquistar simpatia, sem
que se liberem dos estados interiores mortificantes.
A consciência não perdoa, no que concerne a deixar no olvido crime perpetrado. O seu perdão se expressa mediante a reabilitação do infrator.
As origens do sofrimento estão sempre,
portanto, naquele que o padece, no recôndito do seu ser, nos painéis
profundos da sua consciência.
Ao lado das origens cármicas do
sofrimento, surgem as causas atuais, quando o homem o busca mediante a
irresponsabilidade, a precipitação, a prevalência do egoísmo que o
incita à escolha do melhor para si em detrimento do seu próximo. Esta
atitude se revela em forma de emoções perturbadoras, que o aturdem na
área das aspirações e se condensam em formas de aflição.
As emoções perturbadoras galvanizam o
homem contemporâneo, mais do que o de ontem, em razão dos conflitos
psicossociais, sócio-econômicos, tecnológicos e outros...
Os impulsos e lutas que induzem o
indivíduo à perda da individualidade, escravizando-o aos padrões da
conveniência vigente, são relevantes como desencadeadores de sofrimento.
Também a perda do senso de humor torna a criatura carrancuda e artificial, gerando emoções perturbadoras.
A ausência de liberdade pelas constrições de toda ordem igualmente proporciona sofrimento.
Esses fenômenos psicológicos, no campo do comportamento, propiciam emoções perturbadoras tais como: o desejo, o ofuscamento, o ódio, a frustração.
Porque não sabe distinguir entre o
essencial e o supérfluo, o que convém e aquilo que não é licito
conseguir, o homem extrapola nas aspirações e atormenta-se pelo desejo
mal-conduzido, ambicionando além das possibilidades e transferindo-se de
uma para outra forma de amargura.
O desejo é um corcel
desenfreado que produz danos e termina por ferir-se, na sua correria
insana. A primeira demonstração de lucidez e equilíbrio da criatura é a
satisfação ante tudo quanto a vida lhe concede. Não se trata de uma
atitude conformista, sem a ambição racional de progredir, mas, sim, de
uma aceitação consciente dos valores e recursos que lhe chegam,
facultando-lhe harmonia interior e bem-estar na área dos
relacionamentos, no grupo social no qual se situa.
Toda vez que o desejo exorbita, gera
sofrimento, em razão de tornar-se uma emoção perturbadora forte, que
desarticula as delicadas engrenagens do equilíbrio.
Narra-se que a infelizmente célebre
Messalina, após uma larga noite de desejos e orgia, foi interrogada por
Claudio, ao amanhecer, igualmente aturdido: -" Estás satisfeita?" Ao que
ela teria redargüido: - “Não; cansada!”
Febre voraz, o desejo faz arder as
energias, aniquilando-as. Sempre se transfere de uma para outra área,
por conduzir o combustível da insatisfação. Males incontáveis se
derivam da sua canalização equivocada, face às suas nascentes no
egoísmo, este câncer do espírito, responsável por danos contínuos no
processo da evolução do ser.
Mesmo na realização edificante, o
desejo tem que ser conduzido com equilíbrio, a fim de não impor
necessidades que não correspondam à realidade. O ideal do bem, o esforço
por consegui-lo expressam-se de forma saudável quão gratificante,
tornando-se estimulo para o desenvolvimento constante dos germes que
dormem na criatura, aguardando a eclosão dos fatores que lhe são
propiciatórios.
Como o efeito do desejo, o ofuscamento,
que decorre da presunção, e do orgulho, é causa de sofrimentos, em
razão do emaranhado de raízes na personalidade do homem ambicioso e
deslumbrado, como Narciso ante a própria imagem refletida no lago.
As ilusões da prosperidade econômica e
social, cultural e política induzem o insensato ao ofuscamento, por
permitirem-lhe acreditar-se superior aos demais, inacessível ao próximo,
colocando barreiras no relacionamento com as outras pessoas que lhe
pareçam de menor status, qual se estas lhe ameaçassem a situação de
destaque. Ignoram os fenômenos biológicos inevitáveis da enfermidade,
velhice e morte, ou anestesiam a consciência para não pensarem nas
ocorrências do insucesso, da mudança de situação, das surpresas do
cotidiano.
Todos esses fatores são motivos de
sofrimento, quando se pretende manter a posição de relevo, quando se
teme perdê-la e quando isso acontece.
O ofuscamento desgoverna inumeráveis
existências que se permitem as fantasias do trânsito orgânico, sem a
claridade que discerne entre as reais e as falaciosas metas da vida.
Na mesma trilha, ressalta o domínio do
ódio na paisagem dos sofrimentos humanos. As suas irradiações
destrutivas comburem as energias de quem o sustenta, enquanto, muitas
vezes, atingem aqueles contra quem se dirigem, caso permaneçam
distraídos dos deveres relevantes ou em faixas mentais equivalentes.
Loucura do amor não atendido, o ódio revela a presença predominante dos instintos agressivos vigentes, suplantando os sentimentos que devem governar a vida.
Jamais havendo motivo que lhe
justifique a existência, o ódio é responsável pelas mais torpes
calamidades sociais e humanas de que se tem conhecimento.
Quando se instala com facilidade,
expande as suas raízes como tenazes vigorosas, que estrangulam a razão,
transformando-se em agressividade e violência, em constante
manifestação.
Em determinados temperamentos, é qual
uma chispa insignificante em um monte de feno, produzindo um incêndio
devorador. Por motivo de somenos importância, explode e danifica em
derredor.
O ódio é causador de muitos sofrimentos.
Todo o empenho deve ser envidado para
desarticulá-lo onde se apresente e instale; sem esse trabalho, ele se
irradia e infelicita.
Pestilencial, ele contamina com
facilidade, travestindo-se de irritação, ansiedade, revolta e outros
danosos mecanismos psicológicos reagentes.
A frustração, por sua vez,
responde por sofrimentos que seriam evitáveis, não fossem as exageradas
esperanças do homem, as suas confusas idéias de automerecimento, que lhe
infundem crenças falsas nas possibilidades que não lhe estão ao
alcance.
Porque se supõe credor de títulos que
não possui, a criatura se frustra, entregando-se a reações inesperadas
de depressão ou cólera, fugindo da vida ou atirando-se, rebelde, contra
ela e os seus valores.
Quando o homem adquire a medida do
pouco ou quase nenhum merecimento pessoal, equipa-se de harmonia e fé,
de coragem e paz para enfrentar as vicissitudes e superá-las, nunca se
permitindo malograr nos empreendimentos. Se esses não oferecem os
resultados desejados, como é natural, insiste, persevera, até a
constatação de que outro deve ser o campo de atividade a desenvolver ou
até receber a resposta favorável do trabalho envidado.
O amor é o antídoto para todas as
causas do sofrimento, por proceder do Divino Psiquismo, que gera e
sustenta a vida em todas as suas expressões.
Luarizado pelo amor, o homem discerne,
aspira, age e entrega-se em confiança, irradiando energia
vitalizadora, graças a qual se renova sempre e altera para melhor a
paisagem por onde se movimenta.
O amor é sempre o conselheiro sábio em
qualquer circunstância, orientando com eficiência e produzindo
resultados salutares, que propelem ao progresso e à felicidade.
Na raiz de qualquer tipo de sofrimento
sempre será encontrado como seu autor o próprio espírito, que se
conduziu erroneamente, trocando o mecanismo do amor pela dor, no
processo da sua evolução.
A fim de apressar a recuperação, eis
que se inverte a ordem dos acontecimentos, sendo a dor o meio de levá-lo
de volta ao amor, por cuja trilha se faz pleno.
[Joanna de Ângelis]
[Divaldo P. Franco]
[Plenitude]
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